A dinâmica das justificativas para a destituição do poder familiar: Uma análise de três documentos jurídicos contemporâneos

Laura do Nascimento, Lucas Mangues Paccobelo, Larissa Lara Agostinho da Silva, Marcos Antonio Barbieri Gonçalves

Resumo


O presente trabalho abrange o processo de destituição do poder familiar atualmente embasado na utilização de lógica e valores burgueses de caráter discriminatório que oferecem vantagens a famílias de classes dominantes e justifica arbitrariamente a retirada e institucionalização de crianças de famílias vulnerabilizadas. O estudo teve como objetivo compreender os instrumentos e justificativas da retirada de crianças do seio familiar por meio da análise do conteúdo de três documentos públicos que sistematizam a comunicação aos órgãos de controle e o critério de avaliações de casos a partir dos fatores de retirada estabelecidos. O método utilizado foi a análise de conteúdo com codificação em três estágios por meio do software MAXQDA com a marcação e análise de cada trecho para atribuição de códigos, que foram então quantificados e examinados qualitativamente. Os resultados apontaram para a existência de normativas que justificam a destituição arbitrária do poder familiar por motivos de problemas de ordem social ou legalmente infundados, além de uma lógica desfavorável para a recuperação da guarda e permanência da criança na família de origem. Concluiu-se que esse processo culpabiliza a família por questões de responsabilidade do Estado para garantia dos direitos da família e da criança em situação de vulnerabilidade. 

 


Palavras-chave


destituição do poder familiar; institucionalização de crianças; criminalização da pobreza; roubo de bebês pelo Estado.

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